sexta-feira, 28 de novembro de 2014

das dores

e se há no peito
uma  dor...

que cubra-se
de cascas

negue ser pétala
negue ser febre

coloque-se
entre aspas

e finja
ser pedra...

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Quem sabe no Natal...




Esperava pelo pai todos os dias. Por mais que insistisse a mãe, não arredava pé do mesmo ritual. O vestidinho já desbotado, as sandálias apertadas. Fosse frio, buscava um casaquinho, fosse calor, prendia os cabelos. Vaidosa, olhava-se no espelho antes de ir para o portão. Roubava o batom da mãe, o perfume e estava pronta. Quatro anos de vida e tão longas e pesadas histórias.
- Amanhã ele virá, mamãe, falei para professora que não irei na aula pois vou passear com papai.
Os olhos claros foram se tornando turvos, caídos. Irritadiça ficava atenta ao toque do celular da mãe.
Semanas, meses e nada. A presença tão desejada, castigava-a com a ausência.

- Seu pai ligou, pena que você estava na escola... Não quero que fique triste, ele não poderá vir, tem de trabalhar por muito e muito tempo.
Mentira. A situação estava insustentável.
Fitou a mãe como se soubesse que nem isso ele fizera, não ligara, não se comunicara, não se mostrara interessado nela.
- Acho que ele virá no Natal...
Abraçada à mãe, os olhinhos cheios de lágrimas tentavam encontrar um porto seguro, um tempo seguro onde os homens não esquecem-se das pequenas almas que os esperam.

Não voltou mais ao portão. Quem sabe no Natal...

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

escarnio...

tenho chapiscasdo vísceras
em vias de fato ou nas saias d'agua

coágulos em muros brancos
tintas disfarçando gritos

e se não percebem o que digo
não lamento, não ligo

cansam-me as belas faces
cansa-me o raso das falas

ah, como canso-me
da carne...

terça-feira, 25 de novembro de 2014

da poesia...



e vem meio manca
meio mantra, meio santa

arregaçando das palavras
entranhas e  ancas

libidinosa,
sinuosa

finge uma prece, uma prosa
um hálito de rosas

e sangra..

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

dos imãs...


rouba-me a boca
e não ouso uma rima
 pobre e oca

dizem tanto do amor
e ele me faz assim
tão boba...

domingo, 23 de novembro de 2014

bastarda


cuidarei de minhas poesias
tal qual mãe em parto

pois, se aborto-me,
entre as letras amorfas
vejo meu retrato

são cacos, tragos
fiapos, farrapos, espasmos
caos e nacos

um nada entre metáforas,
escorrido e mal acabado

quero um parto
de úteros não meus
e de fetos alheios

um  punhado de versos
sem os tons de vermelho
sem o meu espelho

uma poesia de sins
filha do acaso, filha bastarda
uma poesia...  sem mim

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

estridente...


desmembro
novembro

e em cada lembro
um membro

e em cada membro
um ente

em cada ente
um antes

e foram-se os membros
e foram-se os entes

e foram-se os antes
e foram-se as lentes

entre dentes
sangro, novembro...

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

das asas...

qual o nome da dor
qual o nome da flor?

edith
frida

silvia
virginia

eram tão raras
as rosas

eram tão fartas
as mágoas

que vício
que vício

um último trago,
um último passo

uma overdose de vida
e o voo, livre...

39



entre um pio e outro
tecem homens e pássaros
a sinfonia do hoje

e calam-se, os ontens...

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

maktub

sem saber
se havia luvas

expuseram-se
as mãos ao mundo

e ele, o mundo
cruel e sujo...

contaminou das mãos,
olhos  e cruzes

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

dos espectros...


levantam-se as palavras
entre letras mortas e lázaras

metamorfose
de quem foi pássaro

metamorfose
de quem não tem face

e se falo da morte
é nela que encontro asas

de que têm medo os nomes?
de que têm medo as frases?

se nessa mesma morte
abrem-se os céus da boca

se nessa mesma morte
esquartejo meus olhos ocos?

se nessa mesma morte
caminham ontens e hoje?

e vejo...
o que não foi dito

e acho graça
do que foi destino

e desprezo e desprezo
o que ainda vive...

sábado, 8 de novembro de 2014

dos ais..

por onde
respingo
ais

há um hálito
maldito
do tanto faz

manchas vermelhas
em histórias
brancas

o que sabem
os reles mortais
dos dedos que lambem?

o que sabem
covas tão rasas
das flores que mancam?

por onde
respingo
ais

há sempre
bocas famintas
de sangue...

terça-feira, 4 de novembro de 2014

...

recolho-me
ao ovo

entre as cascas
do poema

sem ser clara
sem ser gema

escondo-me

domingo, 2 de novembro de 2014

eis que...


porque me desnudam as letras
não quero se não, olhos alheios

tal qual uma música sem dono
sem endereço, sem nome, sem freios

eis que vejo-me solta
a mercê de tantas veias

ora sou uma, ora sou duna
areia, estátua, pedra, devaneio

e se prendo-me aos medos
arranco-os sem raízes, ao meio

e sangro e sangro
num êxtase do desapego...

porque me desnudam as letras
quero de poesias, meu leito...

sábado, 1 de novembro de 2014

fagulhas

e no mormaço
a fala, os olhos, as brasas
do que não foi apagado,

indignadas as palavras
buscam nas cinzas, as asas,
e acham...

das esferas...


rezemos

sem pressa
às velas

é novembro
senhor das lápides

aos mortos
ano novo, tinta nova

é novembro
aos ossos, uma festa

às almas,
o céu ou o inferno?

e essa saudade
sem barcos, sem respostas...